13/06/2016 - Curso de formação sindical para o Quadro do Magistério "Ações democráticas nas escolas" - Sandra Maria Tedeschi

Escola democrática e emancipatória: um projeto político de prática pedagógica

     “Não é no silêncio que os homens se  fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.” (FREIRE, 2003, p. 92) 

     Falar de uma escola democrática traz a necessária reflexão sobre os conceitos de democracia e de como configurar as práticas de gestão com vistas à construção da autonomia e da prática cidadã de seus agentes, dentro e fora do contexto escolar. Deparamos, nesta trajetória, com os inúmeros desafios que advém tanto da perspectiva crítica adotada neste olhar reflexivo como do histórico de práticas autoritárias que imprimiram (e ainda se fazem presentes) aos projetos político-pedagógicos um viés autoritário, excludente e alienador, produzindo como resultado a resignação, a cedência (in)voluntária aos comandos de outrem, a ingênua e incapacitante percepção de si, construída ao longo do processo educacional, causando o esvaziamento do indivíduo em suas potencialidades. 

     É fato que, ao colocarmos nosso enfoque reflexivo sobre estes dois paradigmas, colocamos frente a frente duas perspectivas de homem. FREIRE (2003, p. 11) nos convida a pensar sobre a premência do envolvimento político do homem em sua ação cotidiana como um ser político que é assim discorrendo “... é preciso que se envolvam permanentemente no domínio político, refazendo sempre as estruturas sociais e econômicas em que se dão as relações de poder e se geram as ideologias”. Se, em essência, caracterizamos a potência do comportamento humano como criativa, simbólica, social, intelectual, entre outras dimensões, podemos nos contrapor à tentativa díspare de empobrecimento, encolhimento dos sujeitos em sua condição humana. 

     Democracia (do grego demos, povo; kratos, poder), governo do povo, portanto. A ele o poder é dado a se constituir o gestar sobre o coletivo, a gestão coletiva sobre o ¨todo¨, a autogestão das partes sobre o todo. Assim, como ¨povo¨ e membro da comunidade, se dá o direito, o poder de participar das diretrizes e decisões políticas sobre o coletivo. Constitui-se numa prática ininterrupta e orgânica, uma “ferramenta para a construção contínua da cidadania, da justiça social e da liberdade compartilhada. Ela é a garantia do princípio da igualdade irrestrita entre todas e todos...” (CORTELA, 2005, p. 146). Tempos e espaço para esta vivência cidadã e democrática devem ser criados para que não sejam tomados por práticas com objetivos antagônicos. 

     A escola, como instituição social que é, só se tornará democrática a partir da prática efetiva de um processo de gestão no qual o caráter centralizador, sectário e autoritário deve ser destituído em prol do fortalecimento dos espaços decisórios populares neste contexto. E não poderia ser diferente. 

     Etimologicamente, a palavra gestão traduz o sentido de carregar, chamar para si, administrar. Somada à perspectiva democrática, vislumbramos, então, uma escola que traduz a ideia de dialogicidade, práxis, cidadania, escola problematizadora, que busca no coletivo a tomada de decisões para a solução dos problemas vivenciados e percebidos, dando voz aos educadores, funcionários, pais, responsáveis e alunos nas suas reivindicações e interesses. 

     A gestão democrática do ensino público está, entre outros documentos, presente na Constituição Federal (CF, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), sendo uníssonas em seus preceitos quando reiteram a autonomia pedagógica e administrativa das unidades escolares, a importância da elaboração do projeto político-pedagógico da escola pelo coletivo, a participação da família e da comunidade, a necessidade de estabelecer e criar processos participativos que integrem os espaços sociais, a comunidade e a escola. 

     Onde o processo amplo de discussão, debate, trocas e interações devem se estabelecer? Quais seriam os espaços capazes de fomentar as ações participativas? 

     O currículo democrático da escola, representado neste momento pelo projeto político-pedagógico enquanto discurso retórico, não torna efetiva a perspectiva de corporificação das práticas e ações democráticas na escola. Assim sendo, o currículo se torna autoritário, ineficiente, mesmo que ideologicamente ¨contemple¨ o discurso libertador. 

     Os espaços capazes de fomentar as ações participativas, no entanto, precedem a construção da perspectiva curricular democrática. São essenciais para a vivência coletiva deste processo, deste constructo social. Espaços que possibilitem aos sujeitos sociais e políticos a participação nos processos decisórios. Alguns exemplos desses espaços: órgãos colegiados com Conselho de Escola e de classe, grêmio estudantil, Associação de Pais e Mestres, grupos de apoio à escola oriundos da comunidade, rede de proteção etc. Segundo VEIGA (2000, p. 115), a escola deve “criar órgãos de gestão que garantam, por um lado, a representatividade e, por outro, a continuidade e, consequentemente, a legitimidade”. 

     O projeto político-pedagógico se torna um documento declaratório e propositivo da concepção educativa adotada pelo coletivo da escola. Instrumento norteador das práticas pedagógicas realizadas na escola e pela escola. Temos uma equação: as práticas democráticas nas escolas devem ser construídas no efetivo exercício dos seus agentes. 


     REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

     CORTELLA, M. S. Não espere o epitáfio – Provocações filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005 

     FREIRE, P. Educação como prática de liberdade, 19ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003 

     VEIGA, I. P. A., e RESENDE, L. M. G. Escola: espaço do projeto político-pedagógico. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2001


     * Sandra Maria Tedeschi - doutoranda em Educação, área de concentração -  Currículo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) 
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