Aluno não é outdoor

Parece piada. Mas não é. Oxalá a idéia não se espalhe por outros municípios do Estado de São Paulo e por outros Estados. Pois bem, o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), pretende transformar cerca de 900 mil alunos da rede pública municipal de ensino em outdoors ambulantes, permitindo a colocação de propagandas nos uniformes escolares. A questão não é partidária, mas conceitual. A idéia deve ser repudiada e seria condenável fosse quem fosse o prefeito paulistano.

A operação, de acordo com o anúncio da Prefeitura, seria conduzida pela Associação Brasileira do Vestuário (Abravest). Em troca de anúncios nos uniformes escolares, empresas participantes do projeto se responsabilizariam pelo fornecimento aos alunos de 900 mil kits, cada um com nove peças, como agasalho, calça, bermuda, camisa, tênis etc. O investimento estimado seria de R$ 70 milhões, valor que a Prefeitura ‘pouparia’ no orçamento destinado à educação e canalizaria para a construção de mais escolas.

Do ponto de vista legal, não há lei que proíba a iniciativa do prefeito paulistano. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não prevê tal hipótese e apenas proíbe a exposição de menores a situações vexatórias. A questão é ética. Aluno não é outdoor. Não ficou claro, na proposta, o que poderia ser anunciado. Apenas foi sinalizado que as propagandas seriam colocadas nas mangas e perna direita. É certo que o conteúdo não ficará restrito a empresas filiadas da Abravest, ou seja, a empresas do setor têxtil. A entidade admite que já foram sondados supermercados, bancos e empresas de telefonia.

O mais grave é que a proposta tem como único objetivo aliviar o rombo das contas da Prefeitura. Alunos, pais, professores e especialistas em educação não foram devidamente ouvidos. Não houve um debate prévio com a sociedade. É óbvio, no entanto, que os alunos estão sendo instrumentalizados e, nesse sentido, a ação poderá ser contestada na Justiça.

Diariamente, a criança já é bombardeada por uma infinidade de anúncios e empurrada para atitudes consumistas. Qualquer data ou evento é motivo para campanhas de vendas de produtos que a maioria dos pais não têm condições de adquirir. Dá para imaginar a imagem que passaria pela cabeça de uma criança da periferia se ela tivesse de mostrar na perna direita a foto de um celular – apenas sonho de consumo.

Fica o apelo para que prevaleça o bom senso e a idéia seja abandonada. As empresas que quiserem colaborar com a rede municipal de ensino poderão fazer suas doações sem investidas consumistas. Aliás, já é hora de as corporações repensarem suas estratégias de quase sempre condicionar suas iniciativas de ações sociais a recompensas comerciais. Nem sempre dar com uma mão pensando em receber com a outra é o melhor caminho para construir no mercado uma imagem simpática aos clientes.

É uma boa oportunidade para os educadores se posicionarem. Educação não é comércio.


*Marcelo Gatti Reis Lobo é advogado especializado em Processo Civil

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