25/11/2017 - Seminário: História e marcos legais da educação infantil - Damaris Gomes Maranhão

     Com base na minha experiência como profissional que atua em creche há 37 anos, sempre desafiada a articular o conhecimento, construindo no campo da saúde com o campo da educação, desenvolvi uma pesquisa, entre 1994 e 1998, sobre o cuidado em sua interface entre saúde e educação em creche.  

     A dissertação de mestrado, posteriormente publicada, tem como título principal O cuidado como elo entre saúde e educação (2000 a b). O reconhecimento de que o cuidado é vital para o crescimento e desenvolvimento saudável e integral pode parecer óbvio, mas até hoje temos dificuldade de tornar a prática integrada, com o mesmo nível de reconhecimento e valor que as atividades tradicionalmente consideradas educativas. 

     Geralmente, associamos a expressão “cuidado com a saúde” com atitudes e procedimentos de higiene e proteção contra potenciais riscos ambientais de ocorrência de acidentes ou de doenças e com o ato de preparar, distribuir ou oferecer alimentos.   Mas, antes de refletir sobre este aspecto da segurança física, microbiológica e alimentar, absolutamente necessária para manter a vida e o bem-estar das crianças, adultos e idosos, sãos ou doentes, reiteramos que cuidado implica em interação individualizada com cada pessoa que necessita, por idade, condição etária ou de saúde, ajuda do outro.

     Significa, também, fazer por ela aquilo que, temporariamente, pelo seu processo de crescimento e desenvolvimento, ou por doença ou por alguma deficiência, ela não consegue fazer sozinha. Ao mesmo tempo, o cuidador, seja no serviço de saúde, em casa, ou no serviço educacional, precisa estar atento ao desenvolvimento potencial ou recuperação de cada pessoa, para permitir a participação dela no cuidado de seu corpo e do ambiente, de forma que gradativamente aprenda ou recupere as habilidades para cuidar de si.  

     Assim, todo cuidado, em qualquer contexto, implica em acolhimento e conhecimento do outro, de suas características, emoções e necessidades e também de como atender essas necessidades, dos limites da pessoa ou do próprio cuidador, conforme escreve Milton Mayroff (1971). 

     Para Kathie Webb e Janet Blond (1995), pesquisadoras e professoras de ensino fundamental no Canadá, o processo de cuidar é componente fundamental do processo de educar. Elas compreendem o cuidar como comunicação entre as pessoas envolvidas. Para cuidar do aluno o professor deve saber quem ele é, quais são suas capacidades, como ele aprende, porque se comporta ou reage dessa maneira, o que o professor é capaz de fazer para ajudá-lo a se desenvolver por meio de aprendizagens objetivas e subjetivas. 

     Sobretudo na educação infantil, o professor precisa olhar para os momentos de cuidado dos bebês e crianças como momentos tão importantes para a ação pedagógica como aqueles aos quais tradicionalmente atribui sentido educativo. 

     A primeira experiência do recém-nascido humano é o continuo contato corporal com o outro para que consiga sobreviver, respirar, viver, sendo acolhido, aquecido, alimentado, embalado, ou seja, cuidado e apresentado ao mundo que o cerca. Ele começa a conhecer a si mesmo no contato continuo e próximo do outro, no colo, mamando, sendo banhado, trocado, embalado, ainda no contexto familiar. O adulto cuidador, ao corresponder aos seus olhares, movimentos, expressões, e nomear o que faz, vai significando o meio, e isso significa que o vai educando, o inserindo na cultura.  

     Por outro lado, cuidar de outra pessoa implica sentir emoções. Boas e difíceis, dependendo do contexto, da pessoa cuidada, da relação entre ambos. Sobretudo ao cuidar diretamente do corpo do outro, podemos entrar em contato com secreções, com partes do corpo, com a vulnerabilidade humana, que nos torna sensíveis, que pode nos causar estranhamento e até mesmo repulsa, ou emoções como medo, nojo, prazer. E cada ser humano pode ou não criar mecanismos de defesa se essas emoções forem negadas, ou sofridas, ou se ele não desenvolver habilidades profissionais para lidar com essas situações (Soares, 2012). 

     Assim, é comum que as tarefas de cuidado de outra pessoa doente ou criança, dependente de cuidados corporais, de limpeza das secreções, como fezes, vômitos ou outras de lesões corporais, exigem uma técnica, um procedimento aprendido, e que torna o cuidador um profissional, que aprende a lidar com suas emoções, e ao mesmo tempo com as emoções do outro, que é no caso, mais vulnerável. 

     Entretanto, as atitudes e procedimentos de cuidados, por terem sido realizados e desenvolvidos durante longos anos, por mulheres, como se fosse natural, acaba sendo executado com base no conhecimento de senso comum, que não é suficiente para ser aplicado em um serviço de saúde ou educacional. Ao mesmo tempo, o contato amiúde com o corpo do outro pode ser considerado um tabu, uma vez que ele pode suscitar emoções que nos incomoda. 

     Do ponto de vista do mercado, do custo, do pagamento dos profissionais que se ocupam do cuidado, muitas vezes é considerado uma atividade menor, com menor remuneração e reconhecimento social, em que pese ele ser fundamental para a sobrevivência humana e exigir um saber não apenas técnico, mas psicológico, sociológico, pedagógico e cultural embasado pelas várias ciências. Exige um saber complexo, mas como não se desdobra em um produto admirado, comercializado, vendido, como é a cura e a educação, portanto, continua sendo desmerecido. 


     Referências bibliográficas

     Maranhão, Damaris Gomes. O cuidado como elo entre a saúde e educação. Caderno de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas (101) São Paulo, 2000.  

     Maranhão, Damaris Gomes. O processo saúde e doença na perspectiva dos educadores infantis. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 16(4) 1143-114, 2000.  

     Mayeroff M. On caring. New York. Harpers & Row, 1971. 

     Webb K. & Blond  J. Teacher knowledge: the relationship between caring and knowing. Teaching & Teacher Education. Vol.11. N 6, p. 611-625, 1995. 

     Soares, A. As emoções do care. In. Hirata H. Guimarães N. A. Cuidado e cuidadoras. As várias faces do trabalho do Care. São Paulo: Atlas 2012. Pags. 44-59. 


     * Damaris Gomes Maranhão, doutora em Ciências da Saúde, enfermeira graduada, habilitada em saúde pública e mestre em Pediatria pela Unifesp, especialista em saúde pública pela USP. Consultora do MEC em 1998 e também no período de 2010 a 2015, para a elaboração do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) de 1998; em 2009, para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil em 2009; e, em 2015, da primeira versão da Base Curricular Nacional de Educação Infantil. Colaboradora do Instituto Avisa lá, professora do curso de pós-graduação em Gestão e Formação em Educação Infantil, do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, desde 2010. 

Voltar Topo Enviar a um amigo Imprimir Home