Demanda e modelo de concurso para professores da educação básica nas escolas oficiais

                                                                                                                                * José Cícero da Costa

Resumo

Este artigo, Demanda e modelo de concurso para professores da educação básica nas escolas oficiais,  resultado de uma pesquisa a respeito dos concursos públicos para professores do Ensino Fundamental I (de 1ª ao  4º ano) da rede municipal de São Paulo, discute a importância desses pleitos na educação básica, destaca a fragilidade dos atuais concursos e sugere alterações nesses certames.

Palavras-chave

Concursos públicos para professores; provimento de professores; seleção de professores; recrutamento de professores; certames públicos.

Abstrac

This article, The demand and a model of contest for Eeementary education teachers in the oficial schools, the result of some reflections of a research on the public contests for teachers of the Fundamental Teaching I (from the 1st degree to the 4th degree) in the Municipal Chain of São Paulo, discusses the importance of these debates on elementary education, emphasizes the fragility of the current contests and also suggests changes on these disputes.
Key-words: Public Contests for teachers, Teachers Supplying, Teachers Selection, Recruiting of Teachers and Public Disputes.

Os concursos públicos em geral e, em particular, a seleção de professores para a educação básica, quase não têm sido objeto de estudo em nosso país. Este artigo — fruto da investigação e da reflexão realizadas ao longo do desenvolvimento de minha dissertação de mestrado Dos concursos públicos e da política de recrutamento de professores do ensino fundamental I, no Município de São Paulo (Costa, 1999) — visa discutir, principalmente, dois elementos importantes no tocante ao assunto. O primeiro é o problema do grande número de professores não-concursados que trabalham nas escolas oficiais. O outro, não menos problemático, é o modelo de pleito baseado predominantemente em provas constituídas de questões de múltipla escolha.

No primeiro caso, a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) vigentes não impedem a realização periódica de concursos. Todavia, pelo que se pode verificar, os governos estaduais e municipais — que mantêm o maior número de escolas de Ensino Fundamental e Médio — não têm realizado concursos públicos em quantidade, periodicidade e abrangência satisfatórias. Por outro lado, a sociedade, os educadores e mesmo as entidades sindicais não se atentaram para a importância dos certames públicos, que podem ser importantes meios para se democratizar o acesso e, se bem elaborados e realizados, selecionar professores mais preparados ou qualificados para o exercício da docência. Um bom concurso não é tudo, entretanto, pode ser o início de um relevante trabalho a ser desenvolvido na educação escolar.

Professores permanentes ou efetivos são, sem dúvida, o primeiro passo para promover projetos especiais, cursos de capacitação e outros empreendimentos. Esta afirmação decorre do fato de que, com professores temporários, ocorre o risco de se fazer investimentos com pouco ou nenhum retorno, devido à rotatividade e/ou ao desligamento dos educadores após o término dos respectivos contratos. Educadores não-temporários, por sua vez, favorecem a melhor organização das unidades escolares, pois há um corpo docente capaz de desenvolver trabalhos de médio e longo prazo pelo aprimoramento da qualidade do ensino.

Ademais, o modelo de concurso baseado predominantemente em questões de múltipla escolha, apesar de se apresentar mais democrático que outras formas de recrutamento, não se mostra, com segurança, como a melhor forma de seleção pública. Os certames públicos, além de serem um instrumento mais transparente e democrático em relação a outras formas de recrutamento e de possibilitarem o suprimento da rede de ensino com professores mais permanentes, deveriam, necessariamente, selecionar os melhores profissionais para o trabalho escolar. Contudo, os concursos públicos constituídos fundamentalmente por questões em que se assinalam alternativas de resposta, não garantem, de maneira inequívoca, uma seleção adequada ou eficaz.

Ribeiro, Pereira e Brejon (1955, p. 107), no estudo O concurso de ingresso no magistério secundário e normal, em busca, já naquela época,  de outra maneira de selecionar professores, afirmaram que “o bom professor é um indivíduo inteligente, de personalidade equilibrada, possuidor de uma cultura geral razoável, de uma cultura especializada sólida e de boa capacidade didática”. Para selecionar professor com o perfil mencionado, os autores propuseram um modelo de concurso composto de provas psicológicas, de cultura geral e especializada, de capacidade didática, todas eliminatórias, com nota nunca inferior a 5 (deduz-se que com pelo menos 50% de acertos) e, por fim, prova de títulos. A prova de títulos seria aplicada apenas para classificação final e para os candidatos aprovados nas provas anteriores.[1]

Diante dessas questões, além dos quatro tipos de provas apontadas em Ribeiro, Pereira & Brejon (1955), acrescenta-se que a prova de cultura especializada deve envolver conhecimentos relativos às concepções pedagógicas e aos conhecimentos específicos, inclusive com questões relativas à legislação.

Se um concurso pretende, ao arrolar uma bibliografia, capacitar ou  preparar o candidato para desenvolver análises políticas, fundamentações teóricas, concepções pedagógicas, bem como se apropriar de determinados conteúdos ou rever suas práticas pedagógicas, deveria se conceder um intervalo de tempo maior para que os concorrentes  ao cargo pudessem assimilar, entender ou compreender os autores e suas respectivas obras[2]. Esse período poderia variar de acordo com a quantidade e/ou densidade das obras. Observa-se que há concursos com uma média de 22 indicações bibliográficas, além da matéria relativa à legislação; nesses casos, entre a inscrição e a realização das provas nunca poderia haver menos de três meses. Contudo, se o concurso tem por objetivo selecionar os candidatos mais bem preparados e/ou concomitantemente afinados com a concepção político-educacional do grupo instalado no governo, não seria adequado haver indicações bibliográficas, mas apenas um programa com os temas a serem abordados, e o período entre a inscrição e a realização das provas deveria ser  extremamente curto.

Nessas condições imediatamente descritas, a tendência seria a seleção dos concorrentes que perfilhassem determinada concepção político-pedagógica e que fossem detentores de formação sólida, acumulada ao longo dos anos. Já em um concurso com indicação bibliográfica e tempo curto entre a inscrição e a realização das provas, em geral, sobressaem os candidatos que tiveram maior tempo para se preparar nesse período ou que ingeriram a bibliografia na véspera das provas. E pode-se acrescentar que esta última modalidade de concurso fomenta a venda de livros, proporciona o surgimento dos famosos cursinhos preparatórios e estimula o comércio de apostilas: talvez aí se encontre uma das explicações para a predominância de concursos com indicação bibliográfica, assim  como reduzido período entre a inscrição e a realização das provas.

A prova de títulos[3], para efeito de classificação final e não-eliminatória, é um procedimento importante nos concursos para provimento de  professores.Todavia, os últimos certames têm mitigado o peso dos mesmos. Um pleito que pretende selecionar professores com sólida formação deve valorizar a experiência no magistério, medida pelo tempo de serviço; considerar a formação e a atualização do profissional, ao incluir os cursos de curta e longa duração; não desprezar os debates concernentes às questões educacionais, sociais ou políticas, ao contabilizar pontos pela participação em congressos, seminários, simpósios e encontros; bem como contemplar os esforços dos profissionais que procuram ampliar e aprofundar conhecimentos em sua área de atuação, em cursos de licenciatura, especialização, mestrado e doutorado.

Apesar da importância dos certames, os quais poderiam ser mais bem estudados e analisados, algumas empresas prestadoras de serviços, ao elaborarem e realizarem concursos públicos, recusam-se, por alegadas razões de ordem técnica, de segurança e de direitos autorais adquiridos, a fornecer exemplares dos cadernos de questões aos candidatos ou às instituições de direito público ou privado, mesmo após seu encerramento.

Todavia, os argumentos mencionados para  não entregarem o caderno de questões ao candidato não têm  fundamento, pois o sigilo a  respeito das questões só possui  relevância até a realização do processo seletivo. A defesa de ordem técnica também  é inconsistente, uma vez que, diferentemente de testes psicológicos —padronizados e aplicados a diversos pacientes em épocas diferentes —, as questões de concursos são elaboradas para um determinado pleito; portanto, não necessitam ser integralmente aplicáveis em outros momentos. O direito autoral reivindicado  também não possui sustentação porque o  candidato paga pela inscrição.[4] Destarte,  não entregar os cadernos de provas após a realização do pleito é um desrespeito ao candidato, assim como privar o que deveria ser público, em detrimento do próprio público e da comunidade científica.

Diante do exposto, diversas medidas deveriam ser tomadas ou revistas pelos órgãos públicos. Desse modo, além de outras mudanças, os certames  deveriam ser mais regulares, democráticos, tecnicamente neutros e transparentes; e poderiam, seguramente,  selecionar professores que preenchessem, no mínimo, três competências: a teórica (específica e geral), a metodológica e a didática.

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1 - Pelo que foi estabelecido no concurso examinado em Ribeiro, Pereira & Brejon (1955), entende-se que os títulos seriam certificados de cursos realizados, diplomas de cursos concluídos, trabalhos literários, tempo de efetivo exercício no magistério oficial etc.
2 - Em diversos editais  de concursos públicos para provimento de professor, observa-se que tem havido menos de  dois meses entre as inscrições e a realização das provas.
3 - Numa prova de títulos, para efeito de classificação final, em geral contempla-se os títulos de doutorado e mestrado, os cursos de pedagogia (quando não pré-requisito para o concurso), licenciatura plena ou curta (quando não pré-requisito para o concurso) e de aperfeiçoamento (de 30 horas ou mais), o tempo na administração direta no magistério ou no governo municipal ou estadual, em qualquer cargo ou função, o trabalho docente fora do município, a aprovação em concurso público, a participação em congressos, seminários etc.
4 - Em diversos concursos analisados, a arrecadação da verba oriunda das inscrições ficou com a empresa prestadora do certame. A taxa cobrada – cerca de R$ 35,00 - diretamente do candidato no ato da inscrição é uma forma de ressarcimento das despesas de organização e realização dos concursos.
e-mail: cícero.jcosta@ig.com.br

* José Cícero da Costa é mestre em Educação pelo Programa Educação: História, Política,
Sociedade (antes, História e Filosofia da Educação) da PUC-SP; coordenador pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo e professor universitário.

Referências

Costa, J. Cícero da.  Dos concursos públicos e da política de recrutamento de professores do ensino fundamental I, no município de São Paulo. 1999. 132 f. Dissertação (mestrado em História e Filosofia da Educação) -  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.
Ribeiro, J. Q., Pereira, J. S. de C. & Brejon, M. Concurso de ingresso no magistério secundário e normal. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1955.

 

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