A centralidade das políticas para a formação de professores - César Augusto Minto

 

Um começo de conversa... 

Para pensar o tema “A necessária opção pela escola pública” (escolha oportuna feita pelo SINPEEM para o seu 21º Congresso...) é fundamental considerar o recorte aqui proposto: as políticas adotadas por sucessivos governos a título de “formar professores” (e não só em São Paulo, como no estado e também pelo país afora). 

A formação de professores é uma atividade à qual se atribui, pelo menos no plano discursivo[1], uma importância impar, talvez devido ao fato de que ninguém ignora que a atuação do professor é essencial na formação de futuros profissionais, seja para o magistério, seja para as demais áreas laborais. 

O objeto do trabalho docente envolve informações, saberes e, por óbvio, também metodologias desejáveis para lidar com tais quesitos, que não têm validade intrínseca, mas exigem contextualização / atualização e adoção de formas de tratamento pedagógico adequado. 

Sem esses cuidados, corre-se o risco de não explorar todo o potencial cognitivo dos estudantes ou mesmo de diminuir a chance de contribuir para que o acesso a informações e conhecimentos seja de fato significativo para os mesmos, o que comprometeria – ainda que involuntariamente – a garantia do direito à educação. 

E nunca é demais lembrar que o ensino comporta dimensões indissociáveis, aqui dissociadas apenas para efeito argumentativo, pois transmissão de informações e construção de conhecimentos são os dois lados de uma mesma moeda; vale dizer, se não houver um equilíbrio entre essas duas dimensões dificilmente haverá aprendizagem, pois da intenção do ensino não resulta, necessariamente, a aprendizagem.

Se, por um lado, pode-se dizer que a construção de conhecimentos depende da transmissão de informações, por outro lado, o privilégio da transmissão de informações pode resultar apenas em treinamento / adestramento, ao invés de agregar prerrogativas de autonomia intelectual e, em última instância, de cidadania. Isto só ocorre com o respeito ao equilíbrio dessas duas dimensões e não com sua dissociação. 

Isso posto, cabe lembrar que a formação de professores é tarefa abrangente e complexa, exigindo investimento constante por meio de políticas públicas impostergáveis, mas o que temos visto – no geral – tem sido preocupante, senão vejamos.  

Cronologia breve do provimento de professores no Brasil 

Ao longo do tempo (basicamente, dos anos de 1930 até os dias atuais), o suprimento de docentes nas escolas brasileiras tem passado por várias “adaptações”: expansão das escolas normais de nível médio, cursos rápidos de suprimento formativo de docentes, complementação de formação de origens diversas, autorizações especiais para exercício do magistério a não licenciados, admissão de professores leigos, licenciaturas curtas, licenciaturas no modelo 3 + 1 (grosso modo, 3 anos de disciplinas de formação geral, acrescida de 1 ano de disciplinas pedagógicas), previsão de formação de professores em nível superior e permissão da formação de professores por meio do ensino à distância (Lei nº 9.394/96 – LDB) etc. (GATTI e BARRETO, 2009; FÉTIZON e MINTO, 2007; MARCÍLIO, 2005; MINTO e MURANAKA, 2001). 

Ou seja, tem vigorado um quadro de improvisação e precariedade... E isto é muito perverso, em todos os sentidos, além de não condizer com o discurso – supostamente consensual – de que a formação de professores é importante! 

Contextualização ideológica das políticas de formação de professores 

Destaco, a seguir, alguns aspectos muito preocupantes: desresponsabilização do poder público, que se expressa em especial na insuficiência de recursos; “polianismo” autofágico; desfaçatez epistemológica; descompromisso político; descaracterização da função social da educação escolar; inadequação pedagógica / metodológica. 

Tem sido constante a desresponsabilização do poder público, que se traduz na precariedade das políticas educacionais, afetando a qualidade do ensino, seja por delegar boa parte desta tarefa às instituições privadas, nem sempre mais preocupadas com a qualidade do ensino oferecido do que com os dividendos dessa exploração consentida, seja por não prover condições de coerência proposta–implementação. Mas o aspecto mais contundente dessa desresponsabilização é a “escassez” de recursos e as deficiências no que se refere a expandir as redes públicas e mantê-las com ensino de boa qualidade, o que é altamente questionável, pois o país tem destinado à educação cerca de 4 a 4,5% do PIB, o que não chega à metade daquilo que deveria ser aplicado se quisesse resolver boa parte de seus problemas educacionais, pior ainda é a situação do estado de São Paulo, que aplica algo em torno de 3,5% do PIB paulista. Vale lembrar que o Brasil gasta cerca de perto de 11% do PIB para pagar os juros da dívida pública e a amortização da dívida! Convenhamos, há falta de recursos? 

A alegação contumaz dos governos de que fazem o possível, face às condições dadas (por quem?), resulta num discurso e numa prática de “Poliana”: “melhor isso do que nada...”, comprometendo propostas eventualmente desejáveis, que implantadas de forma inadequada – falta de convencimento dos envolvidos de maneira fundamentada (exemplos: ciclos, promoção continuada, recuperação paralela etc.), desembocam no descrédito generalizado, dentro e fora de escola “queimando” as referidas propostas. 

A desfaçatez epistemológica, que se explicita no fato de implantar opções pedagógicas – talvez interessantes – sem o devido respaldo operacional: por exemplo, a adoção do construtivismo desamparado das condições essenciais para a empreitada: desde a precariedade ou ausência mesmo de infraestrutura física (bibliotecas, salas ambiente, laboratórios devidamente equipados e mantidos) e de pessoal com formação correspondente à opção declarada. 

O descompromisso político dos governos fica patente quando vemos a adoção e / ou a troca errática de propostas sem os devidos cuidados, inicial e de acompanhamento – planejamento, criação de condições de implementação, implementação propriamente dita, avaliação – o que evoca a leitura de que os gestores podem estar muito vulneráveis a interesses de algum setor do mercado ou mesmo a modismos pedagógicos, pois a área educacional não está imune a esta condição. O caso do Estado de São Paulo é um exemplo de troca-troca de políticas educacionais – Ciclo Básico, Escola-Padrão, CEFAM, Progressão Continuada, Escola da Família etc. – por governos distintos, mas de mesmo matiz (Montoro, Quércia, Fleury, Covas, Alckmin), em impunes trinta anos! 

A descaracterização da função social da educação escolar se explicita diante do fato de que, afora a perversidade feita com os que sequer chegaram à escola (pública), uma das únicas oportunidades de acesso a informações e conhecimentos de forma sistematizada, muitos dos que ainda estão tendo tal direito dela saem sem possibilidade de usufruto da linguagem, da escrita, do cálculo, etc. quando não saem analfabetos. Ou seja, nestes casos, os registros de passagem pela escola não acrescenta prerrogativas de cidadania, mas apenas enriquecem dados estatísticos a explorar em futuras campanhas eleitorais. 

A inadequação pedagógica fica ainda mais visível quando os governos, que alegam atuar nos moldes da administração pública gerencial (conforme a Reforma do Estado), transformam direitos em serviços e condicionam seu atendimento apenas à relação custo–benefício, num ambiente de “quase mercado”. Assim, na elaboração de políticas, incluindo as educacionais, vigoram: a dicotomia pensar / fazer, a definição de “insumos” prioritários (p. ex.: livros para professores e apostilas para estudantes), pois a formação é menos importante do que o treinamento, o que “justifica” até exigir que para serem aprovados em concursos públicos os candidatos que passaram em prova objetiva e avaliação de títulos se submetam a curso a distância sobre “o currículo adotado pelo Estado, as formas de trabalho e a realidade das escolas estaduais” (de novo, acontece no estado de São Paulo). Exemplo de seqüestro da função intelectual do docente?! 

Estes aspectos – a meu ver – carecem de intervenção urgente (urgência ≠ pressa) dos setores organizados da sociedade civil, entre os quais o próprio SINPEEM. 

Referências bibliográficas 

GATTI, Bernadete Angelina (Coord.) e BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília/DF: UNESCO, 2009, 294 p. 

FÉTIZON, Beatriz Alexandrina de Moura e MINTO, César Augusto. Ensino a distância: equívocos, legislação e defesa da formação presencial. Universidade e Sociedade, Brasília/DF, Ano XVI, n. 39, p. 93-105, fev. 2007. 

MARCÍLIO, Maria Luíza. História da escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo/SP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. 

MINTO, César Augusto e MURANAKA, Maria Aparecida Segatto. Políticas públicas para a formação de profissionais em educação no Brasil. Universidade e Sociedade, Brasília/DF, Ano XI, n. 25, p. 134-143, dez. 2001. 

* César Augusto Minto é professor na Faculdade de Educação da USP (Feusp-EDA) 



[1] “No plano discursivo”, pois não tem sido rara a incongruência entre o conteúdo das propostas para a formação de professores e sua operacionalização, revelando escassa coerência discurso–prática.

 

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